O impacto do pico petrolífero sobre a segurança alimentar
O impacto do pico petrolífero sobre a segurança alimentar
por Caroline Lucas [*]
Andy Jones [**]
e Colin Hines [**]
"Quando o preço do petróleo elevou-se acima dos US$ 50/barril nos fins de 2004, a atenção pública começou a focar-se na adequação do abastecimento mundial de petróleo – e especificamente sobre quando a produção atingiria o pico e começaria a declinar. Os analistas estão longe de um consenso acerca desta questão, mas várias personalidades eminentes acreditam agora que o pico petrolífero está iminente". [1] US Department of Energy, 2005
Ao longo dos últimos meses tem havido muita especulação acerca das causas dos preços mais elevados do petróleo, e sobre a probabilidade de esta alta continuar ou não. Os comentários têm sido focados sobre a instabilidade geopolítica do Médio Oriente; o aumento da dependência da Rússia; a retomada do controle das indústrias do petróleo por governos da América Latina; e estrangulamentos de oferta tais como a capacidade de refinação.
Os constrangimentos geológicos quanto à futura oferta de energia, conhecido como pico petrolífero (peak oil) – o ponto a partir do qual a produção cessa de aumentar e começa o seu inevitável declínio a longo prazo – têm entretanto recebido muito menos atenção. Ainda que a maioria dos constrangimentos ao acesso ao petróleo pudessem potencialmente ser ultrapassados através de políticas ou meios económicos, a realidade geológica dos sempre minguantes fornecimentos de combustíveis fósseis é indiscutível.
Enquanto foram precisos 145 anos para consumir metade dos 2-2,5 x 10 18 barris de petróleo convencional, geralmente considerados como o total disponível, é provável que, dado particularmente os enormes aumentos da procura da China e da Índia, a outra metade será consumida sobretudo dentro dos próximos 40 anos. Cerca de 98% do petróleo bruto global vem de 45 países, mais da metade dos quais já atingiram o pico da produção, incluindo sete dos países da OPEP. Em 2003, pela primeira vez, as descobertas de grandes campos de petróleo caíram a zero, ao passo que o excesso de capacidade mantido pelos países da OPEP definhou de uma média de 30% para cerca de 1% da procura global de hoje. [2] A produção mundial de petróleo e gás está a declinar a uma média de 4-6% ao ano, ao passo que a procura está a crescer 2-3% ao ano. As implicações disto, para todos os aspectos das nossas vidas de hoje, são esmagadoras. Alguns analistas começaram a falar nos impactos sobre os nossos sistemas de transportes, e sobre o aquecimento das nossas casas. Mas até agora muito pouca atenção tem sido dada às implicações para os nossos sistemas alimentares. Este relatório apresenta a tese de que, a menos que seja tomada acção urgente, à medida que a segurança petrolífera se deteriorar deteriorar-se-á também a segurança alimentar. Rapidamente verifica-se que decisões tomadas por departamentos governamentais de energia, quer continuem a promover combustíveis fosseis ou mudem para fontes de energia renováveis, podem ter um efeito maior sobre a segurança alimentar a longo prazo do que quaisquer acções tomadas por departamentos da agricultura.
A quantidade de energia que está concentrada mesmo numa pequena quantidade de petróleo ou gás é extraordinária. Um barril de petróleo contem a energia equivalente a quase 25 mil horas de trabalho humano. Um simples galão [3,78 litros] de petróleo contem o equivalente energético a 500 horas de trabalho humano. E, por todo o mundo, os sistemas de produção alimentar fazem um uso extenso desta energia armazenada nos combustíveis fósseis e numa escala maciça.
A industrialização da agricultura acelerada dramaticamente nos países industrializados após a Segunda Guerra Mundial, e principiou em muitos países mais pobres em resultado da Revolução Verde das décadas de 1950 e 1960. Estas tendências transformaram a produção alimentar por todo o globo, com colheitas mundiais de cereais a aumentarem 250%. Mas esta dependência dos combustíveis fósseis – na forma de fertilizantes (os quais representam cerca de um terço do consumo de energia da agricultura), pesticidas e maquinaria agrícola alimentada a hidrocarbonetos e sistema de irrigação – significa que a agricultura industrializada consome 50 vezes o input energético da agricultura tradicional. Nos casos mais extremos, o consumo energético da agricultura aumentou 100 vezes ou mais. Foi estimado, por exemplo, que 95% de todos os nossos produtos alimentares exigem a utilização do petróleo. [3] Apenas para criar uma única vaca e para entregá-la no mercado requer 6 barris de petróleo, o suficiente para mover um carro de Nova York a Los Angeles. [4] Este relatório pormenoriza a extensão em que os sistema alimentares do século XXI estão dependentes da utilização intensiva de energia, e examina porque eles são particularmente vulneráveis ao impacto dos altos preços da energia devido aos fertilizantes, pesticidas, plásticos, combustível de aviação, 'armazenagem sobre rodas' e sistema de entrega 'just in time', centrais no sistema alimentar do Reino Unido que é dominado pelos supermercados. Tivemos um vislumbre de quão dependente a oferta até mesmo dos alimentos mais básicos se tornara em relação ao petróleo durante os bloqueios de refinarias e depósitos de distribuição em Setembro de 2000, quando o protesto de agricultores e transportadores rodoviários contra impostos mais elevados sobre combustíveis disparou uma "crise nacional de combustíveis". O presidente da Sainsbury, um dos maiores retalhistas do Reino Unido, escreveu ao primeiro-ministro a adverti-lo de que a crise do petróleo estava a ameaçar os stocks alimentares britânicos e que as lojas provavelmente seriam esvaziadas de alimentos "em dias e não em semanas". [5]
Grande parte do nosso sistema alimentar tem uma ineficiência global estarrecedora – incluindo custos energéticos para maquinaria agrícola, transportação, processamento e matérias-primas para produtos químicos destinados à agricultura. O moderno sistema alimentar consome aproximadamente dez calorias de energia em combustíveis fósseis para cada caloria de energia alimentar produzida. [6] O processamento é particularmente dependente da energia. Da próxima vez que apanhar uma típica caixa com 450 gramas de cereal para o pequeno almoço, por exemplo, pode considerar que aquilo poderia ter exigido mais de7000 quilocalorias de energia para o processamento, ao passo que o próprio cereal proporcionaria apenas 1100 quilocalorias de energia alimentar. [7]
A dependência do Reino Unido da importação de alimentos torna-nos particularmente vulneráveis à elevação dos preços da energia.
Actualmente confiamos nas importações para proporcionar quase um terço dos alimentos consumidos no Reino Unido, e temos um dos mais baixos rácios de auto-suficiência alimentar na União Europeia. [8] Embora o Reino Unidos tenha sido um importador líquido de alimentos durante um longo tempo, as importações estão actualmente a crescer a uma taxa significativa. Os números do DEFRA mostram que as importações em toneladas aumentaram 38% de 1998 a 2002. Para alguns tipo de alimentos, o aumento tem sido mais dramático. As importações, por exemplo, de fruta duplicaram, enquanto as de legumes triplicaram. Metade de todos os legumes e 95% de toda a fruta consumida no Reino Unido agora vem do além mar. [9]
O relatório examina a realidade do nosso sistema alimentar intensivo em energia através de estudos de caso para examinar como um conjunto de custos acrescidos de petróleo e gás natural afectará o preço de algumas das mais básicas mercadorias alimentares quotidianas. Demonstrámos como uma galinha de £3 [€4,45] poderia quase duplicar de preço, ou triplicar se os custos de entregar na loja, armazenar e cozer em casa forem incluídos. Para os ingredientes de uma fritura típica, os custos associados ao transporte só com os ingredientes aumentariam entre £1.70 e £3.95 [€2,52 e €5,86].
Contudo, o efeito do aumentos dos preços do petróleo sobre a produção alimentar é apenas a metade da história. O seu efeito sobre a procura por bens alimentares também é extremamente significativo. Uma vez que virtualmente todas as plantas que actualmente cultivamos para alimentos também podem ser convertidas em combustível automóvel, tanto em destilarias de etanol como em refinarias de biodiesel, preços elevados do petróleo abrirão um vasto mercado novo para produtos agrícolas. Aqueles a comprarem bens para produtores de combustíveis estarão a competir directamente com os processadores de alimentos pelos abastecimentos de trigo, milho, soja, açúcar de cana e outros produtos agrícolas chave. Como observou Lester Brown, o preço do petróleo está a estabelecer o preço para os alimentos simplesmente porque se o valor do combustível de uma mercadoria exceder o seu valor como alimento, ela será convertida em combustível – "com efeito, supermercados e estações de serviço estão agora a competir pelas mesmas mercadorias". [10]
As implicações disto são ainda mais graves, considerando que já estamos a enfrentar um mundo de escassez de cereais potencial. Na China, por exemplo, a colheita de cereais caiu de 34 milhões de toneladas, ou 9%, entre 1998 e 2005. Há um risco real de que uma combinação de crescente dependência da China dos mercados mundiais por grandes importações, juntamente com uma crescente diversão de mercadorias agrícolas para biocombustíveis, resultará em preços de cereais a serem conduzidos a uma altura tal que muitos países em desenvolvimento de baixo rendimento simplesmente não serão capazes de importar cereal suficiente. [11] Isto por sua vez poderia conduzir à escala dos preços alimentares e à instabilidade política numa escala global. Num mundo que enfrenta o acréscimo anual de mais de 70 milhões de pessoas a uma população mundial de mais de 6 mil milhões, num momento em que a água potável está a escassear, as temperaturas as ascender devido à mudança climática [NT 1] , e quando os abastecimentos de petróleo estão em vias de definhar, a necessidade da acção decisiva não poderia ser mais urgente.
O relatório termina com o esboço das mudanças abrangentes que serão necessárias para assegurar que as necessidades alimentares de todo e cada um dos países seja plenamente cumprida. Isto envolverá uma mudança radical para um sistema agrícola de baixa energia, baixo input, cada vez mais orgânico e localizado, e exigirá mudanças fundamentais na política energética e nas regras do comércio mundial. Para a UE, exigirá também uma mudança radical na direcção e âmbito da Política Agrícola Comum e do Mercado Único, o qual actualmente da prioridade à competitividade internacional em relação à segurança alimentar nacional. Um dos elementos chave da estratégia de segurança energética da EU, o desenvolvimento em grande escala de biocombustíveis, também precisará ser revisto, uma vez que ironicamente esta estratégia podia por si própria colocar uma ameaça à segurança alimentar, pois é transferida terra da produção alimentar a fim de se cultivarem plantas para combustível. Finalmente, no Reino Unido, estamos a apelar por uma Comissão Real sobre Segurança Alimentar a fim de elevar a maior consciência política a necessidade urgente de desconectar nosso sistema alimentar da dependência dos combustíveis fósseis. Trata-se de exigências ambiciosas. Mas a escala da crise que enfrentamos exige não menos do que isso.
Notas
1- US Dept of Energy, Energy Information Administration, Select Crude Oil spot prices at www.eia.doe.gov/emeu/international/crude1.html , updated 28 July 2005. Alfred J. Cavallo, Oil; Caveat Empty, Bulletin of the Atomic Scientists, vol. 61, no.3 (May/June 2005).
2- www.epolitix.com/EN/MPWebsites/Michael%2BMeacher...
3- Chris Skrebowski, Joining the Dots, Presentation to Energy Institute Conference, London, 10 November 2004.
4- The price of steak, National Geographic, June 2004.
5- Elliot, V. 2000, Panic buyers force stores to ration food, The Times. September 14th 2000.
6- Grazing Lands: RCA Issue Brief #6, US department of Agriculture, National Resources Conservations Service, November 1995.
7- Danielle Murray, Rising oil prices will impact food supplies, 13 September 2005.
8- DEFRA, The Validity of Food Miles as an indicator of Sustainable Development, July 2005, p.19
9 DEFRA, op cit
10- Lester Brown, Plan B 2.0: Rescuing a Planet under stress and a civilisation in trouble, Norton 2006
11- Ibid.
NT 1- Trata-se de um equívoco dos autores. Ver Aquecimento global: uma impostura científica e Aquecimento global: origem e natureza do alegado consenso científico.
O presente texto é a introdução do relatório. O documento completo encontra-se em Fuelling a Food Crisis (PDF, 550KB)
http://www.carolinelucasmep.org.uk/publications/pdfs_and_word/Fuelling%20a%20food%20crisis%20FINAL%20Dec06.pdf
A Soil Association examinará o Pico petrolífero e a agricultura na sua conferência anual em 26 e 27 de Janeiro de 2007. Clique aqui para mais pormenores . http://www.soilassociation.org/conference
[*] Deputada Verde por South-East England e membro dos Comités de Ambiente e de Comércio Internacional do Parlamento Europeu.
[**] Autor de 'Eating Oil'.
[***] Autor de 'Localisation: A Global Manifesto'.
http://www.resistir.info/energia/petroleo_alimentos.html
O original encontra-se em http://www.energybulletin.net/24319.html
por Caroline Lucas [*]
Andy Jones [**]
e Colin Hines [**]
"Quando o preço do petróleo elevou-se acima dos US$ 50/barril nos fins de 2004, a atenção pública começou a focar-se na adequação do abastecimento mundial de petróleo – e especificamente sobre quando a produção atingiria o pico e começaria a declinar. Os analistas estão longe de um consenso acerca desta questão, mas várias personalidades eminentes acreditam agora que o pico petrolífero está iminente". [1] US Department of Energy, 2005
Ao longo dos últimos meses tem havido muita especulação acerca das causas dos preços mais elevados do petróleo, e sobre a probabilidade de esta alta continuar ou não. Os comentários têm sido focados sobre a instabilidade geopolítica do Médio Oriente; o aumento da dependência da Rússia; a retomada do controle das indústrias do petróleo por governos da América Latina; e estrangulamentos de oferta tais como a capacidade de refinação.
Os constrangimentos geológicos quanto à futura oferta de energia, conhecido como pico petrolífero (peak oil) – o ponto a partir do qual a produção cessa de aumentar e começa o seu inevitável declínio a longo prazo – têm entretanto recebido muito menos atenção. Ainda que a maioria dos constrangimentos ao acesso ao petróleo pudessem potencialmente ser ultrapassados através de políticas ou meios económicos, a realidade geológica dos sempre minguantes fornecimentos de combustíveis fósseis é indiscutível.
Enquanto foram precisos 145 anos para consumir metade dos 2-2,5 x 10 18 barris de petróleo convencional, geralmente considerados como o total disponível, é provável que, dado particularmente os enormes aumentos da procura da China e da Índia, a outra metade será consumida sobretudo dentro dos próximos 40 anos. Cerca de 98% do petróleo bruto global vem de 45 países, mais da metade dos quais já atingiram o pico da produção, incluindo sete dos países da OPEP. Em 2003, pela primeira vez, as descobertas de grandes campos de petróleo caíram a zero, ao passo que o excesso de capacidade mantido pelos países da OPEP definhou de uma média de 30% para cerca de 1% da procura global de hoje. [2] A produção mundial de petróleo e gás está a declinar a uma média de 4-6% ao ano, ao passo que a procura está a crescer 2-3% ao ano. As implicações disto, para todos os aspectos das nossas vidas de hoje, são esmagadoras. Alguns analistas começaram a falar nos impactos sobre os nossos sistemas de transportes, e sobre o aquecimento das nossas casas. Mas até agora muito pouca atenção tem sido dada às implicações para os nossos sistemas alimentares. Este relatório apresenta a tese de que, a menos que seja tomada acção urgente, à medida que a segurança petrolífera se deteriorar deteriorar-se-á também a segurança alimentar. Rapidamente verifica-se que decisões tomadas por departamentos governamentais de energia, quer continuem a promover combustíveis fosseis ou mudem para fontes de energia renováveis, podem ter um efeito maior sobre a segurança alimentar a longo prazo do que quaisquer acções tomadas por departamentos da agricultura.
A quantidade de energia que está concentrada mesmo numa pequena quantidade de petróleo ou gás é extraordinária. Um barril de petróleo contem a energia equivalente a quase 25 mil horas de trabalho humano. Um simples galão [3,78 litros] de petróleo contem o equivalente energético a 500 horas de trabalho humano. E, por todo o mundo, os sistemas de produção alimentar fazem um uso extenso desta energia armazenada nos combustíveis fósseis e numa escala maciça.
A industrialização da agricultura acelerada dramaticamente nos países industrializados após a Segunda Guerra Mundial, e principiou em muitos países mais pobres em resultado da Revolução Verde das décadas de 1950 e 1960. Estas tendências transformaram a produção alimentar por todo o globo, com colheitas mundiais de cereais a aumentarem 250%. Mas esta dependência dos combustíveis fósseis – na forma de fertilizantes (os quais representam cerca de um terço do consumo de energia da agricultura), pesticidas e maquinaria agrícola alimentada a hidrocarbonetos e sistema de irrigação – significa que a agricultura industrializada consome 50 vezes o input energético da agricultura tradicional. Nos casos mais extremos, o consumo energético da agricultura aumentou 100 vezes ou mais. Foi estimado, por exemplo, que 95% de todos os nossos produtos alimentares exigem a utilização do petróleo. [3] Apenas para criar uma única vaca e para entregá-la no mercado requer 6 barris de petróleo, o suficiente para mover um carro de Nova York a Los Angeles. [4] Este relatório pormenoriza a extensão em que os sistema alimentares do século XXI estão dependentes da utilização intensiva de energia, e examina porque eles são particularmente vulneráveis ao impacto dos altos preços da energia devido aos fertilizantes, pesticidas, plásticos, combustível de aviação, 'armazenagem sobre rodas' e sistema de entrega 'just in time', centrais no sistema alimentar do Reino Unido que é dominado pelos supermercados. Tivemos um vislumbre de quão dependente a oferta até mesmo dos alimentos mais básicos se tornara em relação ao petróleo durante os bloqueios de refinarias e depósitos de distribuição em Setembro de 2000, quando o protesto de agricultores e transportadores rodoviários contra impostos mais elevados sobre combustíveis disparou uma "crise nacional de combustíveis". O presidente da Sainsbury, um dos maiores retalhistas do Reino Unido, escreveu ao primeiro-ministro a adverti-lo de que a crise do petróleo estava a ameaçar os stocks alimentares britânicos e que as lojas provavelmente seriam esvaziadas de alimentos "em dias e não em semanas". [5]
Grande parte do nosso sistema alimentar tem uma ineficiência global estarrecedora – incluindo custos energéticos para maquinaria agrícola, transportação, processamento e matérias-primas para produtos químicos destinados à agricultura. O moderno sistema alimentar consome aproximadamente dez calorias de energia em combustíveis fósseis para cada caloria de energia alimentar produzida. [6] O processamento é particularmente dependente da energia. Da próxima vez que apanhar uma típica caixa com 450 gramas de cereal para o pequeno almoço, por exemplo, pode considerar que aquilo poderia ter exigido mais de7000 quilocalorias de energia para o processamento, ao passo que o próprio cereal proporcionaria apenas 1100 quilocalorias de energia alimentar. [7]
A dependência do Reino Unido da importação de alimentos torna-nos particularmente vulneráveis à elevação dos preços da energia.
Actualmente confiamos nas importações para proporcionar quase um terço dos alimentos consumidos no Reino Unido, e temos um dos mais baixos rácios de auto-suficiência alimentar na União Europeia. [8] Embora o Reino Unidos tenha sido um importador líquido de alimentos durante um longo tempo, as importações estão actualmente a crescer a uma taxa significativa. Os números do DEFRA mostram que as importações em toneladas aumentaram 38% de 1998 a 2002. Para alguns tipo de alimentos, o aumento tem sido mais dramático. As importações, por exemplo, de fruta duplicaram, enquanto as de legumes triplicaram. Metade de todos os legumes e 95% de toda a fruta consumida no Reino Unido agora vem do além mar. [9]
O relatório examina a realidade do nosso sistema alimentar intensivo em energia através de estudos de caso para examinar como um conjunto de custos acrescidos de petróleo e gás natural afectará o preço de algumas das mais básicas mercadorias alimentares quotidianas. Demonstrámos como uma galinha de £3 [€4,45] poderia quase duplicar de preço, ou triplicar se os custos de entregar na loja, armazenar e cozer em casa forem incluídos. Para os ingredientes de uma fritura típica, os custos associados ao transporte só com os ingredientes aumentariam entre £1.70 e £3.95 [€2,52 e €5,86].
Contudo, o efeito do aumentos dos preços do petróleo sobre a produção alimentar é apenas a metade da história. O seu efeito sobre a procura por bens alimentares também é extremamente significativo. Uma vez que virtualmente todas as plantas que actualmente cultivamos para alimentos também podem ser convertidas em combustível automóvel, tanto em destilarias de etanol como em refinarias de biodiesel, preços elevados do petróleo abrirão um vasto mercado novo para produtos agrícolas. Aqueles a comprarem bens para produtores de combustíveis estarão a competir directamente com os processadores de alimentos pelos abastecimentos de trigo, milho, soja, açúcar de cana e outros produtos agrícolas chave. Como observou Lester Brown, o preço do petróleo está a estabelecer o preço para os alimentos simplesmente porque se o valor do combustível de uma mercadoria exceder o seu valor como alimento, ela será convertida em combustível – "com efeito, supermercados e estações de serviço estão agora a competir pelas mesmas mercadorias". [10]
As implicações disto são ainda mais graves, considerando que já estamos a enfrentar um mundo de escassez de cereais potencial. Na China, por exemplo, a colheita de cereais caiu de 34 milhões de toneladas, ou 9%, entre 1998 e 2005. Há um risco real de que uma combinação de crescente dependência da China dos mercados mundiais por grandes importações, juntamente com uma crescente diversão de mercadorias agrícolas para biocombustíveis, resultará em preços de cereais a serem conduzidos a uma altura tal que muitos países em desenvolvimento de baixo rendimento simplesmente não serão capazes de importar cereal suficiente. [11] Isto por sua vez poderia conduzir à escala dos preços alimentares e à instabilidade política numa escala global. Num mundo que enfrenta o acréscimo anual de mais de 70 milhões de pessoas a uma população mundial de mais de 6 mil milhões, num momento em que a água potável está a escassear, as temperaturas as ascender devido à mudança climática [NT 1] , e quando os abastecimentos de petróleo estão em vias de definhar, a necessidade da acção decisiva não poderia ser mais urgente.
O relatório termina com o esboço das mudanças abrangentes que serão necessárias para assegurar que as necessidades alimentares de todo e cada um dos países seja plenamente cumprida. Isto envolverá uma mudança radical para um sistema agrícola de baixa energia, baixo input, cada vez mais orgânico e localizado, e exigirá mudanças fundamentais na política energética e nas regras do comércio mundial. Para a UE, exigirá também uma mudança radical na direcção e âmbito da Política Agrícola Comum e do Mercado Único, o qual actualmente da prioridade à competitividade internacional em relação à segurança alimentar nacional. Um dos elementos chave da estratégia de segurança energética da EU, o desenvolvimento em grande escala de biocombustíveis, também precisará ser revisto, uma vez que ironicamente esta estratégia podia por si própria colocar uma ameaça à segurança alimentar, pois é transferida terra da produção alimentar a fim de se cultivarem plantas para combustível. Finalmente, no Reino Unido, estamos a apelar por uma Comissão Real sobre Segurança Alimentar a fim de elevar a maior consciência política a necessidade urgente de desconectar nosso sistema alimentar da dependência dos combustíveis fósseis. Trata-se de exigências ambiciosas. Mas a escala da crise que enfrentamos exige não menos do que isso.
Notas
1- US Dept of Energy, Energy Information Administration, Select Crude Oil spot prices at www.eia.doe.gov/emeu/international/crude1.html , updated 28 July 2005. Alfred J. Cavallo, Oil; Caveat Empty, Bulletin of the Atomic Scientists, vol. 61, no.3 (May/June 2005).
2- www.epolitix.com/EN/MPWebsites/Michael%2BMeacher...
3- Chris Skrebowski, Joining the Dots, Presentation to Energy Institute Conference, London, 10 November 2004.
4- The price of steak, National Geographic, June 2004.
5- Elliot, V. 2000, Panic buyers force stores to ration food, The Times. September 14th 2000.
6- Grazing Lands: RCA Issue Brief #6, US department of Agriculture, National Resources Conservations Service, November 1995.
7- Danielle Murray, Rising oil prices will impact food supplies, 13 September 2005.
8- DEFRA, The Validity of Food Miles as an indicator of Sustainable Development, July 2005, p.19
9 DEFRA, op cit
10- Lester Brown, Plan B 2.0: Rescuing a Planet under stress and a civilisation in trouble, Norton 2006
11- Ibid.
NT 1- Trata-se de um equívoco dos autores. Ver Aquecimento global: uma impostura científica e Aquecimento global: origem e natureza do alegado consenso científico.
O presente texto é a introdução do relatório. O documento completo encontra-se em Fuelling a Food Crisis (PDF, 550KB)
http://www.carolinelucasmep.org.uk/publications/pdfs_and_word/Fuelling%20a%20food%20crisis%20FINAL%20Dec06.pdf
A Soil Association examinará o Pico petrolífero e a agricultura na sua conferência anual em 26 e 27 de Janeiro de 2007. Clique aqui para mais pormenores . http://www.soilassociation.org/conference
[*] Deputada Verde por South-East England e membro dos Comités de Ambiente e de Comércio Internacional do Parlamento Europeu.
[**] Autor de 'Eating Oil'.
[***] Autor de 'Localisation: A Global Manifesto'.
http://www.resistir.info/energia/petroleo_alimentos.html
O original encontra-se em http://www.energybulletin.net/24319.html
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